por Dra. Carminda Mendes André

Em 2024, o grupo de pesquisa Performatividades e Pedagogias que coordeno foi à Olivença, subdistrito de Ilhéus no sul baiano, para participar da Caminhada dos Mártires – um movimento ativista, que acontece todo final de setembro em Olivença para relembrar o massacre ao Povo Tupinambá liderada pelo Juiz e Desembargador Mem de Sá no séc. XVI. Este evento acontece em todo último sábado do mês de setembro.

Ao passear por Olivença fomos surpreendidos com o Espaço Cultural Tupinambá. Trata-se de um museu a céu aberto com textos explicativos, memórias ancestrais e muitos objetos culturais exposto de modo elegante e artístico no muro e canteiro ao lado da Igreja matriz.

Este Espaço Cultural é organizado por Taynã Andrade Tupinambá e Xawã Tupinambá, ambos da etnia Tupinambá. Um espaço de resistência cultural, de luta pelo não apagamento do protagonismo dos povos originários, um espaço de acervos de livros importantes além de muitos outros saberes que o casal guardião está pronto para nos ensinar.
Taynã e Xawã são velhos militantes das causas dos povos originários, ativistas de criação de políticas públicas para os nativos na cidade de Salvador. E o que nos contam é que este espaço é pouco valorizado pelos governantes e população nativa local (em que a presença pentecostal entre os nativos nos surpreendeu). Taynã é uma ativista de profunda consciência política sobre sua condição de mulher tupinambá e, como é de se esperar, quando o “subalterno” fala, os poderosos se espantam com sua coerência discursiva e depois reagem de modo a silenciá-lo.
Nesses tempos, deslocados para a cidade natal de Xawã, eles estranham as imagens de comunicação governamental. Nelas não se vê figuras com o fenótipo de povos originários, mas sim afrodescendente. Desse modo o casal reivindica á Secretaria da Cultura local a representatividade dos povos originários em suas propagandas governamentais de saúde, moradia etc. Vejam essas imagens.
Acervo pessoal
Nada contra

Nada contra tais imagens, nos explica Taynã, apenas reivindica que seja acrescentada a representatividade nativa nas comunicações, principalmente dos benefícios públicos.
Neste ultimo mês a artista Taynã esteve em frente a Secretaria da Cultura para protestar a ausência de figuração dos povos originários em murais que estão sendo pintados na cidade com o tema da história do cacau na região. Desse modo, os artistas do Espaço Cultural Tupinambá esperam visita e explicações de sua solicitação pelo poder público.

O que vemos nessas pinturas é uma história com personagens afrodescendentes sem a confluência da presença dos nativos da terra na história. Para Taynã este mural sequestra e silencia a escravidão indígena e seus saberes no cultivo do cacau. Aliás, uma história de violência e apropriação das terras dos nativos para implantar a desastrosa monocultura do cacau, quero completar. Uma história de deveria estar sendo contada com muita criticidade.
Não há uma imagem que identifique os nativos locais nesse mural. É disso o que se trata a reivindicação. As imagens são bonitas, e os afrodescendentes merecem nossa reverência afirma Taynã. No entanto, o que está em jogo é o apagamento da identidade originária. Do mesmo modo que a comunidade afrodescendente tem exigido que sua imagem veicule nos meios de comunicação, que as cotas sejam implantadas em escolas, serviços públicos etc como forma de reparação, o mesmo a ativista reivindica para seus parentes, os povos originários, o que parece não estar na pauta dos governantes do sul baiano.
Taynã é do tipo que não manda recado, ela vai até o artista e questiona sua obra; vai até as secretarias reivindica sua representatividade. E o que acontece é, no mínimo, criminoso e contraditório: A artista é humilhada com os xingamentos tais como “galinha preta”, “macumbeira”, “resto de bozó”, “louca”.
Taynã não segue religião de matriz africana, e é de pele bem escura o que lhe tem custado muitos embates com os movimentos afrodescendentes da região que a querem colocar em um lugar em que ela não pertence. Taynã afirma e reafirma que é Tupinambá de pele parda. E vejam a contradição: as imagens são de afrodescendentes e o xingamento desprestigia a religiosidade dos negros!?
Este tem sido um território tresloucado de disputas. Uma coisa que a mulher madura e branca que sou deixa como questão, é se este caminho, o de dividir os subalternizados da história, não é uma antiga e eficiente tática dos colonizadores para nos enfraquecer? Taynã com seu ativismo tira do sério os próprios apoiadores das imagens contestadas que, esses sim, loucos de raiva, rasgam a máscara da hipocrisia. Se eles são apoiadores dos afrodescendentes, porque a macumba e a galinha preta, ambos elementos de religião africana, são conotados de modo pejorativo diante de um corpo pardo feminino nativo? Revelam seu oportunismo institucional. Se todas as mulheres importam… porque as nativas são exceção questiona Taynã? Seria bom o Ministério dos Povos Indígenas dar uma chegadinha lá. O que ela sofre é crime de racismo e de sexismo conjuntamente. Seria importante o Ministério da Igualdade Racial e dos Direitos humanos darem uma chegadinha lá também.
Gostaria que, quem me lê, fizesse circular essa notícia.
E depois desse episódio, o que recebe Taynã e Xawã é a visita intimidatória da policia em seu Espaço Cultura sempre ameaçado de extinção, inclusive já apelidado de Faixa de Gaza pelos capitães do mato do totalitarismo patriarcal regional. Ali os “coronéis” ainda tem seu poder de mando e desmando.
Mas o casal resiste tal como seus ancestrais e, invisibilizados em outra importante festa local, A Puxada do Mastro, Taynã e Xawã saem às ruas com a faixa: AINDA ESTAMOS AQUI, trazendo para suas histórias a mesma da família de Marcelo Paiva que perdeu seu pai vítima de tortura durante a Ditadura Militar.
