por Dr. Fernando Bueno Catelan

A dissertação de mestrado de Fernando Bueno Catelan, defendida em 05 de junho de 2018 na Pinacoteca de São Bernardo do Campo, intitulada “Improvisação Teatral na Educação de Jovens e Adultos: Um Ato Político Emancipatório“, apresenta uma pesquisa que investiga como a improvisação teatral pode contribuir para o processo de ensino e aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos (EJA), promovendo a emancipação e a libertação dos educandos. A pesquisa foi desenvolvida em três escolas da rede municipal de São Bernardo do Campo, com base nas teorias de Paulo Freire, Jacques Rancière e Augusto Boal, e utilizou metodologias como os Jogos Teatrais de Viola Spolin, o Sistema Impro de Keith Johnstone e as técnicas do Teatro do Oprimido de Boal.
A pesquisa parte da ideia de que a educação é um ato político e que a improvisação teatral pode ser uma ferramenta poderosa para a emancipação dos educandos da EJA. Catelan destaca que muitos desses alunos carregam consigo uma história de exclusão e interrupção escolar, o que gera uma baixa autoestima e um sentimento de inferioridade. A improvisação teatral, nesse contexto, surge como uma possibilidade de resgatar a confiança e a capacidade de expressão desses indivíduos, reconhecendo a igualdade das inteligências e promovendo a libertação.
O autor cita Paulo Freire, que defende uma educação libertadora, e Jacques Rancière, que fala sobre a importância do reconhecimento da igualdade das inteligências para a emancipação. Augusto Boal, por sua vez, reforça que o teatro é político por natureza, e que o Teatro do Oprimido pode ser uma ferramenta para a transformação social.
No capítulo A Política: reconhecendo a igualdade para agir, Catelan discute o conceito de política a partir de Rancière, que apresenta a política como sendo possível a partir do reconhecimento da igualdade das inteligências. Para o filósofo, a política só existe quando todos se reconhecem como iguais e têm a liberdade de se manifestar. Essa ideia é fundamental para a pesquisa, pois a improvisação teatral, ao permitir que as educandas e os educandos se expressem livremente, pode ser um caminho para o reconhecimento dessa igualdade.
A noção de a polícia, que seria o contrário da a política, ou seja, a manutenção de uma ordem hierárquica que nega a igualdade. A educação tradicional, muitas vezes, funciona como uma forma de a polícia, ao impor uma hierarquia entre docentes e discentes, onde o primeiro detém o conhecimento e o segundo é visto como ignorante. A improvisação teatral, ao contrário, promove uma relação de igualdade, onde todos são capazes de criar e se expressar.
O capítulo Emancipação: Crer em si para transformar a sociedade é dedicado ao conceito de emancipação, que é entendido em duas dimensões: a emancipação intelectual, proposta por Rancière, e a emancipação social, defendida por Freire. A emancipação intelectual ocorre quando o indivíduo reconhece que sua inteligência é igual à dos outros, enquanto a emancipação social só é possível quando esse reconhecimento se traduz em ação coletiva para transformar a sociedade.
Catelan utiliza o exemplo de Joseph Jacotot, um educador francês do século XIX que defendia que todas e todos são capazes de aprender por si mesmos, sem a necessidade de um ‘mestre explicador’. Essa ideia é central para a pesquisa, pois a improvisação teatral, ao permitir que as educandas e os educandos criem e se expressem livremente, promove o reconhecimento de suas próprias inteligências.
No capítulo Educação de Jovens e Adultos: percursos e concepções, o autor traça um panorama histórico da EJA no Brasil, destacando os desafios enfrentados por essa modalidade de ensino. A EJA é frequentemente associada à alfabetização e à elevação da escolaridade de adultos que não tiveram acesso à educação na infância ou adolescência. No entanto, Catelan ressalta que a educação deve ser entendida como um processo contínuo, que acontece ao longo da vida.
A pesquisa foi realizada em três escolas de São Bernardo do Campo, cada uma com características diferentes. A primeira experiência aconteceu na EMEB Arlindo Miguel, onde foram realizadas oficinas de teatro com foco no Teatro do Oprimido. A segunda experiência foi na EMEB Janete Mally com foco em Jogos Teatrais, e a terceira e quarta experiências foram na EM Olegário José, onde foram trabalhadas técnicas de improvisação do sistema Impro com turmas de jovens e adultos.



No capítulo Improvisação Teatral: um ato político na EJA, Catelan detalha as práticas de improvisação teatral realizadas nas escolas. Ele utilizou três metodologias principais: os Jogos Teatrais de Viola Spolin, que introduzem a linguagem teatral e promovem a integração do grupo; o Sistema Impro de Keith Johnstone, que estimula a espontaneidade e a criatividade; e as técnicas do Teatro do Oprimido de Augusto Boal, que abordam questões políticas e de conscientização.
Os Jogos Teatrais foram utilizados para criar um ambiente de confiança e desinibição, enquanto o Sistema Impro ajudou os educandos a se soltarem e a se expressarem livremente. Já o Teatro do Oprimido permitiu que os alunos discutissem temas de opressão e buscassem soluções coletivas para os problemas apresentados.
A pesquisa demonstrou que a improvisação teatral pode ser uma ferramenta poderosa para a emancipação das educandas e dos educandos da EJA. Ao permitir que elas e eles se expressem livremente e reconheçam suas próprias capacidades, a improvisação promove o reconhecimento da igualdade das inteligências e a libertação das opressões. Catelan conclui que a educação deve ser entendida como um ato político, e que a arte, em especial o teatro, tem um papel fundamental nesse processo.
A dissertação de Catelan é um convite para repensarmos a educação e a forma como lidamos com os educandos da EJA. A improvisação teatral, ao promover a liberdade de expressão e o reconhecimento das capacidades individuais, pode ser um caminho para a transformação social e a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Referências:
- BOAL, Augusto. O Teatro do Oprimido e outras Políticas Poéticas. São Paulo: Cosac Naify, 2013.
- FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.
- MUNIZ, Mariana Lima. Improvisação como espetáculo: processo de criação e metodologias de treinamento do ator-improvisador. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2015.
- RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante. Belo Horizonte: Autêntica, 2011..
- SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 2015.


